Houve um tempo em que as igrejas tinham o órgão como o máximo em termos de música. Naquela época os melhores templos eram construídos com uma arquitetura que colocava o órgão como referência, geralmente em primeiro plano. Os templos eram grandes, com espaço para grandes corais, podendo, os maiores, chegar a reservar um local de destaque para grandes corais e orquestra. Mas, como ocorreu com tantas outras coisas no final do milênio passado, tudo foi simplificado. Antes as pessoas tinham relacionamento mais presencial, sentavam-se em rodas (contaram-me meus pais), liam ou contavam estórias, recitavam e cantavam, dormiam cedo e acordavam cedo. Trabalhavam para ganhar dinheiro e buscavam estabilidade no trabalho, sendo valorizada a capacidade de produção. A palavra era o compromisso e cumprir a palavra era questão de honra.
Mas isso tudo foi mudando: os costumes, a música, os valores e, com isso, as regras. A família de hoje não é a mesma de 50 anos atrás. Antes, os pais ensinavam os filhos a se comportarem bem, mesmo que usassem a força. Hoje a sociedade condena a "violência" dos pais. Uma promessa de venda era fechada pela palavra, ainda que outra oferta fosse feita posteriormente, o compromisso era sempre cumprido, porque era uma questão de honra, e honra era valorizada. Hoje a honra nesse sentido não existe e quem não exige um contrato assinado é que se torna o errado. Antes as pessoas se reuniam em família e hoje cada um, a começar pelos filhos que exigem sua independência no início da adolescência, tem o seu canto e suas atividades. Ninguém toma café, almoça ou janta junto. As esposas tinham um papel na família, onde eram responsáveis pela estabilidade do lar, cuidavam dos filhos, administravam os bens -- que então eram comuns -- e não precisavam trabalhar fora de casa para completar o orçamento familiar. Antes homem e mulher formavam um casal e tinham filhos. Hoje, isso é considerado uma das "opções".
A culpa, incrivelmente, é atribuída à ciência e à evolução tecnológica, social e total. Quando havia a noção completa de família, o homem era o responsável pelas finanças (o provedor) e era quem tinha que buscar o sustento fora de casa. A mulher era responsável por cuidar do pessoal (administrava os membros em todos os aspectos), montando a base do lar, que sempre estava ciente de tudo o que cada um fazia. Movimentos feministas motivados por alegações de preconceito generalizado contra a mulher moderna, que buscava uma vida independente, sem precisar se vincular a um marido e que gostaria de ter os mesmos direitos e condições de estudo e trabalho que o homem. A argumentação era muito convincente, mas o resultado foi a generalização do desmoronamento familiar completo. Os casamentos começaram a ruir pela ausência do marido e mulher, que passaram a trabalhar. O mercado de trabalho tornou-se saturado e o salário teve que ser consequentemente reduzido para se adequar à nova realidade, onde cada um somente supre a sua parte. A parceria deixou de existir, os filhos ficaram desamparados, removendo-se o forte vínculo que havia. As famílias, portanto, perderam o maior elo que havia. Assim, a família perdeu o seu papel num círculo vicioso que arrastou a todos. Hoje se uma filha pensa em cuidar de sua família será taxada de irresponsável por querer viver sozinha ou arruinar a vida financeira de sua família. A possibilidade de se casar e cuidar da família não é mais uma opção, conforme o conceito atual da sociedade brasileira globalizada.
Na igreja ocorreu o mesmo com o órgão e coral. As mulheres não precisavam competir por trabalho e, com isso, podiam se dedicar a afazeres artísticos e musicais, absolutamente importantes na igreja. Hoje a vida agitada só aproveita o tempo residual de estudos musicais realizados na adolescência. E mesmo quando a profissão é voltada para a música as pessoas se cansam de trabalhar e não querem mais se dedicar a isso nas igrejas. O piano que existia em cada lar e o órgão de tubos que cada vez se tornava maior, passaram a não ter mais sentido. Hoje o rock secular dos anos 60 e que repercutiram em todas a música secular dos anos 80, entrou definitivamente para a igreja pelos novos instrumentos mais simplistas, muito mais práticos, onde menos esforço é necessário, menos tempo se gasta para preparo, menos pessoas são necessárias e muito mais som (e ruído!) se produz.
Um coral leva muitos anos para juntar as vozes de centenas de pessoas em uníssonos suaves e uniformes, enquanto uma voz (que algumas vezes é) rouca e franzina de uma pessoa sem treino e sem fôlego, com o uso de microfones e sistemas moderníssimos de sonorização e modificação sonora baseados em uma tecnologia avançada de correções e conversões, impõe o novo (o atual) padrão de música. A percussão sempre existiu mas nunca foi utilizado de forma tão presente nem tão monótona, é hoje um ramerrão obrigatório nos ouvidos de todos, em todos os lugares e inclusive na igreja, e ainda em uma intensidade muito superior ao nível sonoro confortável e seguro de outrora. A bateria, a guitarra, o teclado e uma voz sem qualquer preparo são, hoje, um padrão imposto e exigido por pessoas que não tiveram qualquer preparo musical (me refiro ao estudo básico, metódico, formal e erudito). A justificativa, na área de música religiosa, para a adoção universal desse novo padrão é que a música evoluiu. Simplesmente isso. Ou seja, alega-se que se antes não havia esse tipo de música (gospel, evangélica ou, podemos dizer, rock e "pop" cristão) era porque a tecnologia não permitia e porque ainda não havia sido inventada. Então, por evolução, hoje a música nas igrejas passou a ser similar ao rock melódico do Brasil tocado na década de 80.
O órgão foi substituído, repentinamente e junto com o piano, pelo teclado eletrônico, que se adere às novas tecnologias eletrônicas. Claro que a tecnologia também permitiu a evolução de órgãos de tubo e de pianos, mas a simplicidade, o menor custo, a disponibilidade e a aderência ao ritmo cristão globalizado sufocou essa evolução. Piano é, nas casas das famílias, um artigo cada vez mais raro. Com isso, novamente o círculo vicioso explica o fechamento de fábricas e lojas de instrumentos tradicionais. Instrumentos de orquestra, escolas de música, aulas de canto erudito, órgãos de tubo: muitos estão próximos até da extinção!!!
Finalizando, sobre o órgão de tubos, ainda que a tecnologia ajude a aprimorar os controles, permitindo recursos impensados antigamente, o princípio de funcionamento é tão simples que um leito até duvidaria: é um assoprador de tubos. Um órgão é composto por milhares de flautas que podem ser assopradas à distância. 8 mil tubos, por exemplo. Alguns são de madeira e outros de metal. Cada um tem sua forma --cilíndrica ou não--, seu diâmetro e seu comprimento, que pode variar de 1 cm a 10 metros. Esses tubos são controlados por cinco teclados e centenas de chaves. O som que é produzido por um conjunto tão grande de tubos instalados em salas na parede. É algo grandioso, totalmente diferente de tudo o que existe nas igrejas.
Nunca houve percussão permanentemente associada à música sacra no passado, como hoje há e com isso as músicas que sempre acompanharam a igreja começam a se tornar incompatíveis e perderam a graça. Uma música que era executada com todos os detalhes de dezenas de horas de aperfeiçoamento, ao ser tocada por instrumentos e técnicas simplificados, perde toda a beleza e sua razão de ser. Eu diria que a música devocional sacra deveria produzir no adorador algo como o clareamento de sua mente e fazê-lo se abster o máximo possível de sua natureza carnal para ligá-lo ao espiritual e racional, sem apelo emotivo e sem precisar as técnicas do popular ministério de louvor acompanhado das mãos para o alto e gemidos de demonstração de submissão: Deus não precisa e não quer isso. Mas, hoje, tenho que dizer que isso é apenas a minha simples e modesta opinião. Não é pessoal... mas significa que para mim o mundo está perdido... e a igreja também. Mas já sabíamos que seria assim no fim dos tempos...!
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